terça-feira, 19 de abril de 2011

TANGO ITALIANO


Foto: Orietta Borgia

MEU LINDO DOMINGO

por Orietta Borgia


Às 6 da manhã o gato estava com fome, levantei para lhe dar comida, interrompendo a leitura de um lindo conto do horror, mal sabendo que o horror teria continuado ao vivo. Dei comida ao gato e voltei para a cama para continuar a minha leitura. Na terceira frase apagou a luz. Levantei para verificar se era em casa ou no prédio. Era em casa. Desliguei todos os aquecedores etc..., o Piero desceu e ligou de novo. Nessa altura meu único desejo era um café e pelo menos seis fatias de pão quentinho com manteiga e geleia. Preparei o café, botei o pão na torradeira e... ploft, a luz apagou de novo. Não tinha como duvidar de um curto-circuito em ato. Olhei pela janela, enquanto o Piero desmontava a cozinha em busca da avaria, e como estava chovendo me consolei pensando que pelo menos não iria para a casa de repouso. Engano! Fomos assim mesmo, com chuva, mãe cheia de ópium, fedor de cachorro e sem café. Botei a mãe queixosa, mas animada (a gente nunca soube se ela é pior de mau humor ou animada, não é mesmo?) dentro do carro e lá fomos nos, em busca de uma hipotética casa de repouso. Depois de mais ou menos uma hora de viagem e chuva, onde a mãe me contou quantos docinhos de natal fez e, que quis fazer logo para a Maria poder levar para a Rússia etc... Finalmente conseguimos chegar ao dito sítio. O lugar não há dúvida é bonito. Logo na entrada, um velhinho magrela em cadeira de rodas todo torto me pediu para acender o cigarro e explicou que o irmão pagava um maço por semana mas os enfermeiros roubavam o cigarro dele, mas que saindo de lá ele ia escrever uma matéria no jornal contando tudo isso, e enquanto falava babava um pouco. Depois a mocinha simpática e bem vestida nos explicou tudo, ou seja: deixa pra lá, melhor. Depois nos entregou ao animador (quarentão ou mais com complexo de jovem que adora os velhinhos), que nos levou para uma volta turística pelos quartos, academia, lavanderia etc... Mostrou fotos das mãos da Fernanda, que passou para melhor vida, mas tocava muito bem piano, e da festa de carnaval e do Papai Noel que foi levar presente aos velhinhos. Cruzamos com vários personagens, uma delas com uma dentadura novinha na mão, o animador explicou que ela não solta nunca, só na hora de comer apoia em cima da mesa, bem ao lado do prato dela. Enquanto eu chorava todas as minhas lágrimas, a mãe e o Piero comentavam as maravilhas do lugar, e quando o Piero disse que era até melhor que o colégio dele percebi porque as coisas entre nós não funcionam e jurei de pé junto que aos 65 anos nem minhas cinzas devem presenciar a catástrofe.

II Parte: O almoço

Obviamente o restaurante muito bom, no qual o Piero teve seu solitário almoço de Natal em 1970, graças a Deus estava fechado, pena, teria sido maravilhoso almoçar numa lanchonete bar tabacaria no Km 23 da Salária entre um posto de gasolina e um depósito de materiais de construção, mas não deu. A busca continuou. Achamos mais um, parecia até decente, tão decente que baixei a mãe do carro, carreguei até o restaurante, entramos, quase sentamos, mas era uma pizzaria aos pedaços, com mesinhas, e como não esperavam clientes, não tinha nada. Recarreguei a mãe no carro e finalmente chegamos num maravilhoso buraco de 1,5 m x 80 cm; O dono, desses que tratam mal os clientes, mas com muita simpatia, mandou embora um casal de namorados de 80 e passa anos (é uma perseguição, eu sei), que estavam terminando de tomar café e nos obrigou a encaixar-nos numa mesinha para anões pequenos. Obviamente tinha sobrado pouca coisa, mas tudo bem, ninguém no mundo teria conseguido me desencaixar daquela mesa e continuar a viagem. Dividi com a mãe uma grande e gorda carbonara, e quando cortei o bife dela e ela disse será que na casa de repouso vão conseguir reativar meus braços, eu respondi NÃO, agarrei o jarro do vinho e afoguei brutalmente o que restava das minhas mágoas. Na volta a mãe roncou, o Piero elogiou o restaurante e eu fiquei procurando um precipício para me atirar. Agora levei a mãe para casa, ela me informou, enquanto eu tirava os sapatos dela, que o dedão do pé esquerdo inchou, mas que passou um domingo maravilhoso. Sabe do que mais sinto falta no momento? Daquelas antigas giletes de metal, um pouco enferrujadas com as quais as pessoas podiam cortar confortavelmente os pulsos. Tente cortar com um moderno gilete descartável !!! 








4 comentários:

  1. Epifania pura: o texto de Orietta, a voz de Baltar e a 'Balada por un loco'.
    Que vontade de dançar! E olhe que sou péssimo nisso.
    Beijos, Graça.
    Fábio Brito

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  2. Não sei de onde veio, Graça, mas o Pnemotórax do Manuel Bandeira alinhavou direitinho o tango com a cronaca da Orietta. Ou não ?
    "O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
    - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
    - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."
    bjs
    Enéas

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  3. Vou completar este post, orquestrado a muitas mãos.
    Texto e foto da Orietta, a ideia do vídeo do tango foi minha, o título do tango ideia da Ombretta e, por fim, o poema de Bandeira arrematando por você.
    Acorde final!
    Beijo,
    Graça

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  4. Ei, Enéas, resolvi outra coisa. Um post só com "milongueros", vai lá...
    Bjs.
    Graça

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