terça-feira, 29 de março de 2011

"...EU SOU, SE NÃO FOR, ME FAREI."


Foto: Pedro Rossi


 
"Ando com uma vontade tão grande de receber todos os afetos, todos os carinhos, todas as atenções. Quero colo, quero beijo, quero cafuné, abraço apertado, mensagem na madrugada, quero flores, quero doces, quero música, vento, cheiros, quero parar de me doar e começar a receber. Sabe, eu acho que não sei fechar ciclos, colocar pontos finais. Comigo são sempre vírgulas, aspas, reticências. Eu vou gostando, eu vou cuidando, eu vou desculpando, eu vou superando, eu vou compreendendo, eu vou relevando, eu vou… e continuo indo, assim, desse jeito, sem virar páginas, sem colocar pontos. E vou dando muito de mim, e aceitando o pouquinho que os outros tem para me dar."

 “Nenhuma luta haverá jamais de me embrutecer, nenhum cotidiano será tão pesado a ponto de me esmagar, nenhuma carga me fará baixar a cabeça. Quero ser diferente, eu sou, e se não for, me farei.”


" Mas se você não me procura é por que consegue viver bem.
Que bom que sou forte, que bom que suporto, que bom que sou criativa e até me divirto e descubro a gota de mel no meio do fel. Colei aquele “Eu amo você” no espelho. É pra mim mesmo.
Ela sempre fez o que quis. Mas não com…Com agressividade, entende? Quero dizer, ela está sempre tão dentro dela mesma que qualquer coisa que faça não é nem certa nem errada. É simplesmente o que ela podia fazer.
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce.
Porque você não pode voltar atrás no que vê. Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser. 


"..Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia.
E eu me pergunto se você já parou para pensar: Cara, eu sinto falta dela."
Coragem às vezes é desapego!"


"Ela é uma moça de poses delicadas, sorrisos discretos e olhar misterioso. Ela tem cara de menina mimada, um quê de esquisitice, uma sensibilidade de flor, um jeito encantado de ser, um toque de intuição e um tom de doçura. Ela reflete lilás, um brilho de estrela, uma inquietude, uma solidão de artista e um ar sensato de cientista. Ela é intensa e tem mania de sentir por completo, de amar por completo e de ser por completo. Dentro dela tem um coração bobo, que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez. Ela tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna. 
                            
                                                                                                                    
Caio Fernando Abreu
Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago, no Rio Grande do Sul, em 1948, e morreu em Porto Alegre, em 1996. É considerado um dos grandes contistas brasileiros. Escreveu, entre outros livros, Morangos mofados, Triângulo das águas, Onde andará Dulce Veiga, Pedras de Calcutá, Os dragões não conhecem o paraíso, Inventário do irremediável, Fragmentos e O ovo apunhalado (os dois últimos   publicados na coleção L&PM POCKET). Ganhou os prêmios Jabuti de 1984 e 1989.






Em tempo: Este post vai para Fábio Brito e todos os outros dez leitores deste blog que não deixam que eu acabe com ele, mas ele também é feito pra acabar.

domingo, 27 de março de 2011

BATEU O VENTO NA FLOR

(Divulgação-Google images)

CISMEI COM O ABALO

Não ter 14 é meu maior defeito
o Eu e Você nem sempre dá certo
 em Mulher de 30
Se a vida começa aos 40
O rito é a passagem dos 50 




                                  ESSAS COISAS

Carlos Drummond de Andrade

«Você não está mais na idade
de sofrer por essas coisas.»

Há então a idade de sofrer
e a de não sofrer mais
por essas, essas coisas?

As coisas só deviam acontecer
para fazer sofrer
na idade própria de sofrer?

Ou não se devia sofrer
pelas coisas que causam sofrimento
pois vieram fora de hora, e a hora é calma?

E se não estou mais na idade de sofrer
é porque estou morto, e morto
é a idade de não sentir as coisas, essas coisas?





domingo, 13 de março de 2011

AS OITAVAS DE MARÇO II

                             Papo de Mulheres-Fernando Kojo


ATÉ QUANDO TERÁS, MINHA ALMA, ESTA DOÇURA
 Cecília Meireles

 
Até quando terás, minha alma, esta doçura,
este dom de sofrer, este poder de amar,
a força de estar sempre – insegura – segura
como a flecha que segue a trajetória obscura,
fiel ao seu movimento, exata em seu lugar...?


QUERO ESCREVER O BORRÃO 
VERMELHO DE SANGUE
Clarice Lispector
 
Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.
Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.
Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

UMA ARTE
Elizabeth Bishop
(Tradução de Horácio Costa)

A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.
Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.
Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.
Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.
Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.
- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.


SER POETA
Florbela Espanca

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!


É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


TEU CORPO SEJA BRASA
Alice Ruiz

teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome no fogo
um incêndio basta
pra consumar esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo


¡ADIOS!
Alfonsina Storni
 
Las cosas que mueren jamás resucitan,
las cosas que mueren no tornan jamás.
¡Se quiebran los vasos y el vidrio que queda
es polvo por siempre y por siempre será!

Cuando los capullos caen de la rama
dos veces seguidas no florecerán...
¡Las flores tronchadas por el viento impío
se agotan por siempre, por siempre jamás!

¡Los días que fueron, los días perdidos,
los días inertes ya no volverán!
¡Qué tristes las horas que se desgranaron
bajo el aletazo de la soledad!

¡Qué tristes las sombras, las sombras nefastas,
las sombras creadas por nuestra maldad!
¡Oh, las cosas idas, las cosas marchitas,
las cosas celestes que así se nos van!

¡Corazón... silencia!... ¡Cúbrete de llagas!...
?de llagas infectas? ¡cúbrete de mal!...
¡Que todo el que llegue se muera al tocarte,
corazón maldito que inquietas mi afán!

¡Adiós para siempre mis dulzuras todas!
¡Adiós mi alegría llena de bondad!
¡Oh, las cosas muertas, las cosas marchitas,
las cosas celestes que no vuelven más! ...


SAMBA-CANÇÃO
Ana Cristina Cesar

Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone – taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha, 
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era comércio, avara, 
embora um pouco burra, 
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz...

UN DIA DE MARZO
Sara Teasdale

Aquí en los dientes de este triunfante viento
Que sacude las sombras desnudas en el suelo,
Convirtiendo la tierra en un teclado
Para sacar a golpes sonidos separados del árbol y el arbusto,

Da testimonio por mí que amé la vida,
Todo lo que me ha herido y me ha sanado,
Y que se lo juré este día
Aqui, donde comienza este campo, recientemente arado.
Só tú me conociste, diles que me alegro
de todas las horas, desde la primera
Y que he dejado de temer, como temía,
El último reencuentro de la tierra. 
 
CLAREIA LUA
Cássia Eller 
              
Clareia lua
Clareia bem
Clareia o salão
Que o moreno "invem"
 




quarta-feira, 9 de março de 2011

AS OITAVAS DE MARÇO - COLETÂNEA


                                                                   EMÍLIA ULHÔA BOTELHO
        
Muitos, todos, quase todos festejam, lembram, desfazem, invejam, reivindicam, comentam, presenteiam, nem ligam, propagandeiam, vendem, compram, passam batidos, se manifestam, lêem manifestos, marcam atos públicos  (e privados) vendem flores, mandam flores, mensagens reais, virtuais pelo dia de hoje, internacionalmente, destinado à mulher.
Mais um, mais uma, registro/registra nas últimas rimas do Poesia e Prosapopeia, pensamentos, canções, versos, estrofes e poemas feitos por mulheres. 


INTEMPÉRIE

        Poderei ser uma catástrofe
            ou um céu aberto 
            onde se aquarela um arco-íris.
            As pedras que me atiram como palavras
            podem romper o olho da flor
            As palavras que atiro como pedras
            podem ungir a ferida
            ou alcançar uma estrela


CORA CORALINA, QUEM É VOCÊ?
             
              Cora Coralina

             Sou mulher como outra qualquer.
             Venho do século passado
             e trago comigo todas as idades
             (...)

 
ESTADO DE TESE
                                          
              Vitória Lima

              Você está tão magra...
              Estou em tese...
              Estou virando página

              Debulho-me em letras
              Palavras
              Parágrafos
              Epígrafes
              Paráfrases.
              (...)


Flória Emília*    
                                                   
“Talvez seja precisamente de nossa amizade profunda que te envergonhes mais. Existem muitos homens que sentem mais vergonha de cultivar a amizade de uma mulher do que se devotar a uma relação de amor sensual com ela.” 


Célia Lopes 

nas horas que passam
o tempo,
sem pena,
corta o espaço.
E o vento encurralado,
pelas paredes da vida,
não deixa que passam. 


 Leda Palma

 
Non un raggio mi colora di sole
avvolta
nella custodia del burka
non un canto a salire o parola
né il breve di un sorriso
scrivi come si spegne novembre
e tutti i mesi scrivi
che non sarò mai fiore
né nome mai sarò
su questo nero foglio
di solitudine

Nem um raio a tingir-me de sol
trancada
no estojo da burka
nem um canto a se ouvir ou palavra
nem o instante de um sorriso
escreve o desaparecer de novembro
e todos os meses escreve
que nunca serei flor
nem nome nunca serei
nesta negra página
de solidão

MOÇAS DAS DOCAS


Noémia de Sousa

Somos fugitivas de todos os bairros de zinco e caniço.
Fugitivas das Munhuanas e dos Xipamanines,
viemos do outro lado da cidade 
com nossos olhos espantados, 
nossas almas trançadas,
nossos corpos submissos e escancarados.  
De mãos ávidas e vazias,
de ancas bamboleantes lâmpadas vermelhas se acendendo, 
de corações amarrados de repulsa,
descemos atraídas pelas luzes da cidade, 


 
POESIA VISUAL

Eugénia. M. de Melo e Castro

todos os poemas são visuais
porque são para ser lidos
com os olhos que veem
por fora as letras e os espaços
mas não há nada de novo
em tudo o que está escrito
é só o alfabeto repetido
(...)

TACCHI A SPILLO               SALTO ALTO
 Orietta Borgia


Passi lenti,
incerti sui tacchi.
Sorriso dipinto,
rossetto scadente.
Smagliatura
sulla calza nera:
lacrima lunga
senza ricordi.
Un uomo si avvicina.
Sguardo asciutto,
intesa rapida
senza parole.
Sotto il viadotto,
la bocca agile:
un brivido discreto
e qualche goccia di vita
a pochi soldi.
Sospetto
sguardo
mano tesa
scatto
sussurro.
Filo di sangue
sul rossetto scadente.
L’uomo si allontana
l’altro resta,
corpo ambiguo 
tra i rifiuti urbani.

                            


Passos lentos,
inseguros sobre os saltos.
Sorriso pintado,
batom barato.
Rasgo sutil
na meia preta:
lagrima longa
sem lembranças.
Um homem se aproxima.
Olhar seco,
entendimento rápido,
sem palavras.
Embaixo do viaduto,
a boca ágil:
um arrepio discreto
e umas gotas de vida
por umas poucas moedas.
Desconfiança
olhar
mão estendida
desengate
sussurro.
Fio de sangue
no batom barato.
O homem se afasta
O outro fica,
corpo ambíguo
entre o lixo urbano.



*(Trecho da carta de Flória Emília para Aurélio Agostinho (Sto. Agostinho), em VITA BREVIS, Gaarder, Jostein. Cia. Das Letras).

domingo, 6 de março de 2011

ALEGRIA, ALERGIA



Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura- Fortaleza-CE


ALEGRIA 

(Para Drummond )

                                        FÁBIO ROCHA

E eu aqui nesta cidade,
cercado de realidade,
aumentando a minha idade,
alérgico a felicidade,
procuro flores no asfalto. 




Phycodurus eques - Dragão do Mar





CONS-TATO

                                               FÁBIO ROCHA


Sabe essa falta
dentro do peito
na madrugada?
Essa que Drummond
chamou de ausência
e tirou pra dançar?
Eu não sei dançar com ela.
(Então aperto-a
sinto-a plenamente entre minhas mãos
e deixo cair
o pó de palavras
quente.)




sábado, 5 de março de 2011

NEM CHORO NEM VELA


É HOJE
                                      
                                        Didi/Mestrinho

A minha alegria atravessou o mar
e ancorou na passarela
Fez um desembarque fascinante
No maior show da terra
Será que eu serei o dono dessa festa
Um rei
No meio de uma gente tão modesta
Eu vim descendo a serra
Cheio de euforia para desfilar
O mundo inteiro espera
Hoje é dia do riso chorar
Levei o meu samba pra mãe de santo rezar
Contra o mal olhado eu carrego meu patuá
Eu levei !
Acredito
Acredito ser o mais valente nessa luta do rochedo com o mar
E com o ar!
É hoje o dia da alegria
É a tristeza, nem pode pensar em chegar
Diga espelho meu!
Diga espelho meu
Se há na avenida alguém mais feliz que eu
Diga espelho meu



sexta-feira, 4 de março de 2011

PRA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR...




QUANDO O CARNAVAL CHEGAR
        
                                                  Chico Buarque


Quem me vê sempre parado,
Distante garante que eu não sei sambar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo,
Sentindo, escutando e não posso falar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça
Da moça que passa e não posso pegar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando,
Pensando que eu vou aturar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida,
Duvida que eu vá revidar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo,
Pedindo pra gente cantar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada,
Abafada, quem dera gritar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
   Tô me guardando pra quando o carnaval chegar...





A PROPÓSITO DE MÁSCARAS

                                                                    "CARETAS"- Maragojipe-BA

COM QUE ROUPA
                           
                                                    Noel Rosa
 

Agora vou mudar minha conduta
Eu vou pra luta
Pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com força bruta
Pra poder me reabilitar
Pois esta vida não está sopa
E eu pergunto com que roupa?

Com que roupa que eu vou?
Pro samba que você me convidou
Com que roupa eu vou?
Pro samba que você me convidou

Agora eu não ando mais fagueiro
Pois o dinheiro
Não é fácil de ganhar
Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro
Não consigo ter nem pra gastar
Eu já corri de vento em popa
Mas agora com que roupa?

Eu hoje estou pulando como sapo
Pra ver se escapo
Desta praga de urubu
Já estou coberto de farrapo
Eu vou acabar ficando nu
Meu paletó virou estopa
Eu nem sei mais com que roupa?

Seu português agora foi-se embora
Já deu o fora
E levou seu capital
Esqueceu quem tanto amava outrora
Foi no Adamastor pra Portugal
Pra se casar com uma cachopa
E agora com que roupa?"