domingo, 26 de setembro de 2010

PERGUNTE À ADÉLIA

                                                                Foto: Graça Freire (2010)


        Como ser simplesmente feliz?
        Se nem o vento confia no ar
        se um menino não confia em outro menino
        se lebre e lobo não comem da mesma relva?               

        Posso escrever o que sinto?            
        A minha ousadia tem testemunhado
        os versos que penso cantar.
        Por certo, mesmo assim escrevi:
        Faço o que quero com a língua...
        Como me esforço para acreditar que é possível!

        Mulher se expõe,
        sai de casa em busca de guarida.
        Homem se esconde na casa,
        vestindo sua  carapaça falida.
        Quero ser singela também.
        Depressa, responda antes que seja tarde e os anjos
        digam amém!    
        

     
COM LICENÇA POÉTICA
                                                
                         Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
Desses que tocam trombeta, anunciou:
Vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
Esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
Sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
Ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro sem dor.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
Já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.











quarta-feira, 22 de setembro de 2010

AMORES DIFÍCEIS

Não é uma leitura de Italo Calvino e seu Os Amores Difíceis. Qual nada, de Calvino só  as poucas palavras de que tanto gosta em suas curtas narrativas, simétricas, personagens combinados, como se estivessem dançando sobre um tabuleiro de xadrez. 
Desencontrados e descombinados os personagens de Drummond em seu poema Quadrilha e a letra da música O Espinho da Roseira entoada por Karnak, na voz de André Abujamra mostram que nas histórias de amor, sejam contadas em versos cuidados, seja em uma canção com gosto de folclore em um vídeo de imagens irreverentes, podem terminar do mesmo jeito. Não como no jogo de xadrez, mas como na dança das cadeiras, faltando de um lado e sobrando do outro.
A roseira tem espinhos e bem me quer, mal me quer não é exclusividade de margaridas.


QUADRILHA
                         

Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


E ainda não acabou,

OUTRAS HISTÓRIAS DE AMORES

domingo, 19 de setembro de 2010

CARTAS

Pomos as cartas de lado e nunca mais as lemos e por discrição acabamos por destruí-las; assim desaparecem os mais belos flagrantes sopros de vida, tornando-se irrecuperáveis para nós e para os outros.
                                   (Goethe - Afinidades Eletivas)

Escrever cartas significa despir-se diante de fantasmas, que as esperam avidamente. Os beijos pro escrito não chegam ao seu destino, os fantasmas os bebem pelo caminho.

(Kafka - Cartas a Milena)


As correspondências podem ter inicio rodeadas por uma atmosfera amigável, envoltas pela névoa misteriosa que acompanha essas conversas guardadas entre linhas e envelopes selados.
Podem demonstrar um mútuo interesse pela descoberta de identificações, afinidades pela poesia, pela literatura e podem, ainda, percorrer muitos outros assuntos- sons, ritmos, cores, paisagens e sabores-, como todos os caminhos que levavam às agências dos "Correios e Telégrafos”.
"(...) Com o passar das palavras notava-se que, naturalmente, ela não era uma sedutora no que não estava restrito à palavra, não que quisesse seduzir ninguém, nem sequer determinada pessoa, a quem aprendeu a admirar como criador de histórias e de poemas, pela sua irreverência comedida, pela fineza de seu trato, pela agudeza de suas palavras. Pelo seu perfil severo, distante e taciturno, como tal se definia, traços imediatamente percebidos.
Tensionavam tanto o fio que podiam tirar canções daquelas cordas estendidas. Os sons poderiam não sair propriamente de uma viola de gamba, de um austro-húngaro violino, mas de uma rabeca, muitas vezes sem a adequada afinação. Afrouxava-se, então, o tom da conversa (...).”
Entre o esticar e o encolher de muitas conversas puxadas na forma de mensagens, quer fossem frouxas, tensas, curiosas, ansiosas por respostas, de poemas trocados, textos lidos e discutidos, mais do que paixão por poesia, literatura e rock and roll, não ordenada, tratava-se de um encontro de idéias, compactuavam com uma maneira embaraçada e aturdida de ser. Contrapunham-se, muitas vezes desconcertavam um ao outro, natural entre os que escrevem cartas sem compromisso com o futuro, apenas à espera da surpresa que poderia conter o próximo envelope lacrado.
Em busca da satisfação que traz o gosto pelas palavras, como voyeur que bisbilhota a vida alheia, serão “postadas” algumas cartas entre correspondentes que conversam sobre múltiplos interesses, em diferentes épocas e situações. 







quarta-feira, 15 de setembro de 2010

PATRÍCIA PAGU PAIXÃO

Tenho tempo? O ano de 2010 não acabou, mas é preciso ser rápida.
Em junho deste ano teve início a comemoração do centenário de Pagu, portanto perda de tempo e atraso não combina quando o assunto é Patrícia Rehder Galvão.O que rima com Pagu é paixão, é olhar para frente e para cima, como ela dizia: 
“Eu quero ir bem alto, bem alto... É que do outro lado do muro tem uma coisa que eu quero espiar”. 
Lendo esta frase imagino como voava alto uma mulher  além de sua época, de linguagem desaforada, ideias e atitudes demolidoras de convenções e, inquieta, causava uma surpresa atrás da outra.
Que mulher era aquela Pagu? Escritora e Jornalista multiplicava e espalhava seu pensamento em livros, vários jornais, peças de teatro, crítica literária e teatral, fervilhava na política e promovia a cultura nas rodas de sociedade,em companhia dos intelectuais que a adotaram como mascote do Movimento Modernista. Sem obediência a nenhuma ordem deixou de lado a sinhazinha brasileira dos achaques e chiliques. Ao invés de mordidinhas nos lábios, pintava a boca de um tom vermelho tão vivo como ela própria vivia, e rodava a saia de melindrosa ao som do Charleston.  Com tudo isso, e tão só 19 anos, deixava boquiaberta a quatrocentona sociedade paulistana, estupefata ao encarar os modernistas e a sua paulicéia desvairada. Pagu rompia barreiras e tentava desfazer o mito criado em torno de si como a musa do modernismo de comportamento extravagante e insolente.
Quem foi essa mulher que por último pediu: “Abram as janelas, desabotoem-me a blusa, quero respirar”



POEMAS


(Fósforos de segurança)


Fósforos de segurança
Indústrias tais
Fatais.
Isso veio hoje numa pequena caixa
Que achei demasiado cretina
Porque além de toda essa história
De São Paulo – Brasil
Dava indicações do nome da fábrica.
Que eu não vou dizer
Porque afinal o meu mister não é dizer
Nome de indústria
Que não gosto nem um pouquinho
De publicidade
A não ser que
Isso tudo venha com um nome de família
Instituição abalizada
Que atrapalha a vida de quem nada quer saber
Com ela.
Ela, ela, ela.

Hoje me falaram em virtude
Tudo muito rito, muito rígido
Com coisinhas assim mais ou menos
Sentimentais.

Tranças faziam balanças
Nas grandes trepadeiras
Estávamos todos por conta de.

Nascinaturos espalhavam moedinhas
Evidentemente estavam bricando
Pois evidentemente, nos tempos atuais
Quem espalha moedas
Ou é louco, ou é porque
está brincando mesmo.                                       
O que irritou foi o porque


Canal

Nada mais sou que um canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?


Evidentemente um canal tem as suas nervuras
As suas nebulosidades
As suas algas
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas
Mas, por favor
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras
Isso não


Gosto de bandeiras alastradas ao vento
Bandeiras de navio
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos,
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste,
Há garotos nos bares
Há, não sei mais o que há.
Digamos que seja a lua nova
Que seja esta plantinha voacejando na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram
Lembranças de todas as coisas ocorridas
Há coisas no ar…
Digamos que seja a lua nova
Iluminando o canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal.


Um peixe

Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.





LIVROS

  • Parque Industrial – Edição particular – 1933
  • A Famosa Revista – Americ-Edit – 1945
  • Verdade e Liberdade – Edição da autora – 1950
  • Safra Macabra – José Olympio Editora – 1998
  • Croquis de Pagu (org. Lúcia Maria Teixeira Furlani) – Editora Unisanta – 2004
  • Paixão Pagu – Uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão – Editora Agir – 2005










Imagens: Google Images







sábado, 11 de setembro de 2010

O DIA DEPOIS


Quis muito colocar este blog na rua na sexta-feira, 10 de setembro, não porque hoje é uma data que nem é bom lembrar, há quem diga que depois de um 11 de setembro o mundo jamais será o mesmo.
Pensei melhor e concordo, há 80 anos e um dia, Ferreira Gullar havia chegado, com ele o mundo das letras e das artes deixaria de ser o mesmo.
Não posso deixar que o dia acabe sem dizer que o primeiro choro do Poesia e Prosapopeia é para dar parabéns ao poeta e dono de tantos outros fios que se prendem às suas mãos desenrolados da genialidade de suas idéias.
Mais do que ensinar a gostar de poesia Gullar é conhecido por não nos deixar desacreditar no Brasil, isso dito por ninguém menos que Vinícius de Moraes (Poema sujo de vida, Manchete, 1976). Então, pensando bem, e o momento é mais do que propício, a melhor homenagem que se pode fazer ao poeta é ler o que ele escreve quem sabe ele volta a nos fazer acreditar que dias melhores ainda estão por vir.
Parece que no Maranhão, mais do que em outros lugares, costuma-se conjugar o verbo acreditar.
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá

Quem não recitou estes versos? É do seu conterrâneo, Gonçalves Dias, em Canção do Exílio nos fazendo acreditar que aqui é o Lugar.
E Gullar com sua inabalável fé, aproveita a ocasião de aniversário para lançar seu primeiro livro de poemas em mais de uma década –“Em alguma parte alguma”.
Mas, que pouco somos para falarmos de Ferreira Gullar, de Vinícius de Moraes e Gonçalves Dias? O melhor que fazemos é deixar um abraço e poemas para desfiar.



Foto:Rogério Faissal
                                                         
INSETOS
            
Um inseto é mais complexo que um poema
Não tem autor
Move-o uma obscura energia
Um inseto é mais complexo que uma hidrelétrica

Também mais complexo
que uma hidrelétrica
é um poema
(menos complexo que um inseto)

e pode às vezes
(o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou quem sabe
uma vida




RESMUNGO SOBRE RESMUNGOS

Numa reunião que precedeu a criação deste Portal Literal, quando surgiu a idéia de que cada um dos escritores que o integram manter uma seção permanente em seu site, ocorreu-me intitular a minha de "Resmungos".
Mais tarde, quando a Folha de São Paulo me convidou para escrever nela, uma crônica por domingo, chamei essas crônicas de "Resmungos", que também veio a ser o título do livro que publiquei, ano passado, reunindo uma seleção delas. Agora, a imprensa informa que o mais novo e irreverente cinema norte-americano adotou o nome de "cinema-resmungo". Se algum daqueles cineastas visitou nosso site, não garanto, mas, ao que tudo indica, resmungar pode se tornar uma mania mundial. Antes isso que virar homem-bomba.

(04.09.07)

http://literal.terra.com.br/




RASCUNHOS

A PONTA DO FIO

Quando ainda não existiam os Blogs e pouco se falava em redes sociais, o usual era frequentar as salas de bate papo, os chats. As comunidades virtuais tinham outra conformação, outros objetivos e os chats eram disputados, vaga a vaga, pelos muitos usuários ávidos por se comunicar virtualmente, o que já não era tanta novidade assim.
As pessoas se encontravam naquelas salas com muitas pretensões, poucas intenções e sem nenhum compromisso. Visitar uma sala virtual poderia “dar samba”- encontros reais, bate papos em carne e osso, ao vivo e a cores.
Homens se passavam por mulheres, elas por eles, pais procuravam filhos que se escondiam para bisbilhotar conversas de maiores de 40 e menores de 50- presumível faixa etária  dos frequentadores alternando-se nas listas com infindas possibilidades. Travavam-se diálogos sérios, contavam-se muitas mentiras e tudo o que as asas da imaginação podiam carregar num vôo sem plano. Uma coisa era certa, realidade trocava-se por fantasia em um cenário concebido pelo vagaroso provedor inclemente com a paciência do usuário.
Personagens saídos de labirintos gregos seguravam pontas de novelos com muita imaginação. Dentre os muitos fios soltos e enredados, surgiu o início de uma meada que se desenrolou, dando muitas voltas enovelou, e a conversa tomou um rumo que, a exemplo do fio de Ariadne, orientou a saída de um labirinto, dessa vez  de palavras uma atrás da outra, de poesia, de prosa, de “prosapopeia”.
Soltei as linhas, nelas escrevi o que chamei pretensiosamente de livro e dei-lhe nome- “Poesia e Prosa Popeia. Inventei  palavras em que coubessem os diálogos, muitos deles compreensíveis só para quem os escreveu. Aconteciam entre a poesia citada e a que surgia.
Nunca publicado ficaria preso no labirinto, o fio daquela Ariadne não foi suficiente para apontar a saída. Quase tudo novo, ou de novo, o labirinto da poesia, da prosa e das conversas procuram uma nova saída. A grande pausa entre o início e a continuação desta aventura pode significar que ainda há muito verso e prosa para dizer. Vamos dar linha até aonde se possa chegar.