quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O INSANO INQUÉRITO


“Hay suficiente metafísica en no pensar en nada?
¿Qué pienso yo del mundo?
¿Qué sé yo que pienso del mundo?
Si me pusiese enfermo, lo pensaría.”


Considero um oportuno prólogo para responder  sua inquisição sem que, ao final, me destine à fogueira como uma bruxa, ou como a Galileo destinaram o silêncio e a condena.
Silenciar uma correspondência significa uma perda, uma despretensiosa amizade poderá resultar em muitas rimas, sem conotações pessoais, poéticas, apenas.
Não sei se me engano ao responder seu questionário, quais as questões me correspondem, quais se destinam à grega Ariadne, quais deveriam responder a tcheca Milena?
"Todos nós, aparentemente, conseguimos ir vivendo porque, num dado momento, somos capazes de nos refugiar na mentira, na cegueira, no entusiasmo, no otimismo, numa convicção absorvente ou em qualquer outra coisa.(Milena Jesenska -1896- 1944)
Por mais compreensiva que seja a jornalista tcheca, e a curiosidade que seu ar misterioso desperta, pensando bem, se o interesse é pelo que pensa Ariadne que o traz preso a seu fio, melhor será unir-me a elas e tentarmos responder-lhe, questão a questão, essa sinuosa indagação.
Se eu tenho opinião formada a respeito de mim mesma? Não sei, inutilmente parecemos grandes. Ainda que em sonhos quisesse conhecer-me, nada sabemos tudo imaginamos. Quanta tristeza e amargura afoga em confusão a estreita vida. Se me recordo quem fui, me vejo outra e o passado é presente na lembrança. Quem fui é alguém que amo, ainda que em sonho, ainda que na imaginação. Apenas o instante me conhece. Nada é lembrança de mim mesma e sinto, quem sou e quem fui são sonhos diferentes.
As almofadas lacaneanas me deram sono. As respirações e os exercícios reicheanos me deixavam tonta. Jogo de cintura não faz mal a ninguém, vejamos as bailarinas dos sete véus, com seus quadris ondulantes e suas cinturas de vespa. A propósito, o que leva você a acreditar que minha pele é macia?
Se eu sonho, se tenho algum sonho preferido, proibido? Não faço outra coisa a não ser sonhar. O sonho é bom porque despertamos para saber o que é bom. Às vezes o sonho é triste. Acordo sempre ao raiar do dia e escrevo com o sonho que perdi. Meu sonho preferido é qualquer um dos que não realizei. Os sonhos proibidos não posso revelar.
Se eu sou contra alguma coisa? Claro, principalmente as injustiças mundanas. Se me atrito contra o tempo, se o passar do tempo me incomoda? Quem não se  atrita contra o tempo? Onipotente nos traz amarrados a ele, da mesma forma que o fio o traz amarrado (quer se soltar, mas a curiosidade lhe mantém atado- ainda que insista em negar).
Se admito discutir contra quem e a favor, se sou capaz de encontrar pontos em comum? Se ao chegar a uma síntese me sinto satisfeita ou formulo outra questão? Ser cordata e flexível, evitar fazer valer pontos de vista combinam com as outras 11 casas do zodíaco. A humildade, entretanto, pode ser a maior das virtudes e está acima de todos os títulos e diplomas amealhados ao longo da vida. Guardar-los na gaveta pode ser a decisão mais sábia que os pregos na parede. Questionar sempre, conformar-se jamais.
Se já tentei mudar o mundo? Pinos e suturas consolidam o que  chamei de “murros em ponta de faca”, deixaram cicatrizes lembrando as tentativas de mudar o mundo. Apesar de um trecho de minha história, esqueço que metamorfose é coisa para insetos e que planetas sofrem intempéries.
Como? Não entendi. Alguma coisa faz sentido? Que idéia eu tenho das coisas? Qual a opinião tenho das coisas e efeitos? O que já meditei sobre Deus e a alma? E sobre a criação do mundo?
Não sei. Pensar nisso é fechar os olhos e não pensar. É fechar as cortinas de uma janela sem cortinas.
E o mistério das coisas? Sei lá o que sei sobre o mistério das coisas. O que eu sei? O que é o mistério? O único mistério é que haja alguém que pense no mistério.
Se eu mudei? Se nós mudamos? A proposta de ser uma metamorfose ambulante é do Raul Seixas. Porém, eu também não tenho opinião formada sobre quase nada. Manter a coerência e tentar acertar em tudo cansa. Não serei Zen nunca e meu biotipo me impede de levitar.

... Lo que vemos de las cosas son las cosas:
¿Por qué habíamos de ver una cosa si hubiese otra?
¿Por qué ver y oír sería engañarnos si ver y oír son ver y oír?
Lo esencial es saber ver pensando,
saber ver cuando se ve
no ver cuando se piensa.
Por esto (triste de nosotros que llevamos el alma vestida)
Esto exige un estudio profundo,
Un aprendizaje de desaprender.


Fernando Pessoa


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