segunda-feira, 18 de outubro de 2010

AS PROFESSORAS


Se esquecer é uma questão aberta, a passagem do tempo é inquestionável. “Até o silêncio passa”. “Até passarinho passa”. “A memória é amiga do tempo (...)”. 
 Falo da memória na qual guardamos as pessoas, daquelas que não nos saem nunca do pensamento, até quando se aborrecem do tanto que nos lembramos delas, pode até ser errado pensar demais nas pessoas, lembrar demais. Mas não há como tirar do pensamento as pessoas que queremos bem (a memória nem sempre é seletiva e guardamos na mesma memória as que não nos querem ou as que não queremos tanto). É que “O tempo, o tempo que passa inexorável, o “imenso tempo” está acompanhado da memória e quem não tem memória não tem mais vida, porque “só existe um tempo: o tempo vivo (...)”.  
Os professores não são mais homenageados,  nem somos mais lembrados, exceto por não ter aula  no dia do ano a nós dedicado, não dá para não ser nostálgica num tempo em que escolas se tornaram empresas, alunos clientes e, daqui a pouco, nem x saberão mais fazer. 
Como Bartô  guarda na memória os seus muitos professores, entre eles o avô paterno e Dona Maria Campos, me lembro especialmente de duas professoras.
Dona Rosa Maria, no pré-primário, que me fazia carinho com seu olhar de ternura (não lembro tenha encontrado outra professora com aqule olhar) e na hora da merenda servia o refresco em um copo articulado, dobrável, igualzinho ao citado pelo Bartô. Também não esqueci que aquele copo e seu "design" tão pouco funcional, sempre deixava vazar suco sujando a blusa do uniforme e o guardanapo estendido sobre a mesinha onde apoiava o lanche e o caderno de desenho.
 Lembro de Dona Beatriz, no primeiro ano do colegial, como uma  mulher  pouco comum para aqueles tempos, ao menos entre as que conhecia e rara entre as professoras. Com sua voz segura e conhecimentos além das regras gramaticais, suas palavras e atitudes me orientariam para o muito que viria pela frente na minha vida. Dona Beatriz ensinava a gostar de ler, a me interessar por política, a analisar a letra de uma música e entender que, se o “Tigre chegou na frente e metralhou a garganta do estudante”*, escondida neste verso havia outra história que não podia ser escrita dado que guardava muitos significados. Foi assim que Dona Beatriz  me respondeu o porque da censura.
Preferia me mostrar que era mais fácil gostar de teatro a fazer análise sintática, a fazer redações ao invés de cópias dos verbos, que escrever jograis e trazer minhas colegas a representá-los diante de toda a classe, daria mais resultado a decorar radicais gregos.
Depois que foi demitida da nossa Escola, nunca mais tive notícias de Dona Beatriz, desapareceu até dos arquivos da ditadura, mas jamais sairá da minha memória, pelo menos lá, se mantém viva. 
Não suportaram a alegria de Dona Beatriz quando nos dava aulas sobre a vida.




Dona  Rosa Maria e eu


* O Tigre: Música colocada em 2o. lugar no Festival Universitário da TV TUPI, em 1968. Interpretada pelo cantor Raí e o grupo Os Baobás.

Leia mais em: MERDA. Dias Melhores! Serroni, Vicente. Aruna Editora e Produtora Cultural. SP, 2008.


Nenhum comentário:

Postar um comentário