domingo, 28 de novembro de 2010

POESIA, CARTAS, PROSAPOPEIA

                                                                                        Casinha de Arame - Ana Moraes

MINHA CASA ME GUARDA COMO UM ABRAÇO 
                                                                                Viviane Mosé
                                                                                                                      
 É preciso fritar o arroz bastante
Antes de colocar água fervendo,
E não pode mexer jamais depois de a água ser posta,
O alho deve fritar no óleo junto com o arroz.

Coisas que eu sei e que não. Eu sei muitas coisas,
Faxina, por exemplo. Sei limpar uma casa de tal modo
Que não sobra um canto que não
Tenha sido tocado por minhas mãos.
Depois vou sujando. Com muito gosto,
Deixo peças na sala e louças sujas na pia,
Não na mesma hora, mas um pouco bastante depois
Volto limpando. Assim me faço.
Nos objetos que me acompanham.

Gosto de andar nas ruas e comprar as coisas
Que vão se arrumando em torno de mim,
Eu tenho muitas coisas,
Quero dizer, tenho muitas camadas.
Uma camada de livros, outra de sapatos,
Tem uma camada de plantas. E toalhas de rosto,
Tenho camadas de cosméticos e adereços,
Uma camada de nomes e coisas que vejo,
Tudo ordenado ao meu redor. Em forma de corpo.
Um corpo que me sustenta
Quando o meu próprio me falta.

Cadeiras são meus ossos,
Sapatos são meus braços,
Torneiras em meus poros,
Paredes como roupas de inverno,
(Quando toca música em minha casa sai
do umbigo)

Descanso recostado nas paredes de casa
Que me guardam como um abraço,
Me abraço quando me derramo na sala,
E na cozinha. Em geral adormeço no quarto.

Tudo em minha casa tem existência,
Todas as coisas significo. Com os olhos,
Ou com as mãos, Minha casa tem silêncios
Que às vezes ouço, Em meu corpo
Tem silêncios maiores ainda,
Que às vezes ouço, E faço poemas,
Faço poemas dos silêncios que ouço.

Ando com mania de lustra-móveis e ceras líquidas,
Olho um por um nas prateleiras, Sinto a textura e o cheiro,
Espalhando um pouco entre os dedos. Prefiro os de textura fina
E que cheiram a jasmim (gosto mais do aroma floral
mas a palavra jasmim é tão bonita).
Levo todos pra casa e vou espalhando. Primeiro o assoalho,
Considero todos os cantos. Depois os móveis
Com as mãos vou tateando. Um por um.
Em reverência.
Ao que me sustenta quando em desamparo
As casas me sustentam em mim. Por isso as quero em detalhe,
Bem cuidadas e cheias de espaços onde novas coisas se deitam.
Costumo encontrar tesouros escondidos
nas dobras das colchas.
E nas louças sujas na pia. Tenho muitas janelas,
Que é por onde o sol e a chuva me vistam,
O vento aqui também é muito forte,
Às vezes derruba tudo e eu gosto,
Mas aqui também cabem pessoas,
Tem sempre lugar pra pessoas em mim.


2 comentários:

  1. Graça, nem quero sair daqui... É muita beleza que encontro e reencontro neste espaço.
    Beijos imensos. Fábio Brito

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