A CASA DO OSCAR
A casa do Oscar era o
sonho da família. Havia o terreno para os lados da Iguatemi, havia o
anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos
morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora
fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa
do Oscar. Mais tarde, num aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos
dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi.
Desse modo a casa do Oscar, antes
de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco
de Manuel Bandeira.
Senti-me traído,
tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e sai
batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a
casa do Oscar! Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguazes, projeto do
Oscar. Vivi seis meses naquale casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser
Oscar eu mesmo.
Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no
vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me
reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa
do Oscar.
Depois larguei a
arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando a minha música sai boa, penso
que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é a casa do
Oscar.
(Chico
Buarque)
Lições de Arquitetura
Para Oscar Niemeyer
No ombro do
planeta
(em Caracas)
Oscar depositou
para sempre
uma ave uma flor
(ele não faz de pedra
nossas casas:
faz de asas)
No coração
de Argel sofrida
fez aterrizar uma tarde
uma nave estelar
e linda
como ainda há de ser a vida
(com seu
traço futuro
Oscar nos ensina
que o sonho é popular)
Nos ensina a
sonhar
mesmo se lidamos
com matéria dura:
o ferro o cimento a fome
da humana a arquitetura
nos ensina a
viver
no que ele transfigura:
no açúcar da pedra
na argila da aurora
na pluma da neve
na alvura do novo
Oscar nos
ensina
que a beleza é leve
(Ferreira Gullar – Toda Poesia/ Na vertigem do dia
–
Editora José Olympio)