domingo, 26 de junho de 2011

UM DEDO SUJO DE TINTA


"DO BERÇO À COVA"




                   Foto:UOL Notícias (Google Imagens)


Algumas mulheres são transformadas em ícones, não porque suas fotos expõem a pele esticada e bronzeada e corpos torneados em trajes mínimos. As mulheres sobre as quais vou comentar tornaram-se ícones por outras razões. Podem ser as refugiadas de guerra que surgem em capas de revistas (Nathional Geographic, 25 anos atrás ), ou em mostras como a do premiado fotógrafo Emilio Morinatti sobre ‘Violência de gênero no Paquistão" quando expôs imagens de mulheres vitimadas pela violência doméstica.
Este post não traz nenhum um furo de reportagem e nada inédito, ao contrário, mostra  cicatrizes na moral e no físico que nos envergonham e assombram a cada imagem, antes mesmo de ler o pavor, a tristeza e o desamparo estampados nos rostos dessas mulheres.
O que me levou ao assunto foi um fato até então desconhecido para mim, (com bastante demora), descoberto por casualidade numa revista esquecida, da mesma forma como algumas vezes nos esquecem, nas cadeiras das salas de espera.
O texto é da jornalista Elizabeth Rubin, correspondente do New York Times, sob o título de Rebelião Velada e fala sobre o que “(...) sofrem as mulheres afegãs sob as leis do tribalismo, da pobreza e da guerra (...)”.
O trecho do artigo, afinado com o perfil do P&P, fala da descoberta de uma coleção de landays, em uma livraria de Cabul, os “curtinhos”, conhecidos poemas de dois versos recitados pelos pashtuns, habitantes do noroeste do Afeganistão, de vida honorável organizada em torno de princípios edificantes como hospitalidade, abrigo ou asilo e justiça, mas este não dissociado da vingança. Os “curtinhos” são recitados por ocasião das festas de casamento e outros encontros quando se reúnem ao redor do poço das aldeias.
O livro com a coleção de landays e organizado por Sayd Bahodine Majrouh, poeta afegão exilado e morto no Paquistão, em 1988, leva o sugestivo nome de Suicídio e Canção. Para o poeta, sobre a mulher pashtum pesa sob suas burkas uma sina de miséria e medo desde o “berço à cova”.
Por meio dos landays as mulheres afegãs fazem ecoar seu “grito de separação”, pode-se conhecer a forma que encontraram de clamar por amor, respeito, justiça, liberdade e, porque não, de desafiar a brutalidade a que são submetidas não só por maridos em um casamento de subserviência, pais, irmãos e por elas próprias, quando só lhes resta o autoflagelo na tentativa do suicídio, último recurso de libertação.

A seguir, os landays divulgados pelo artigo de Elizabeth Rubin.

“Um marido pashtum, não raro, ou é uma criança ou um velho, imposto pelos laços tribais:”

Você aí de barba branca não tem vergonha,
Não?/ Enquanto você acaricia meus cabelos,
dou minhas risadas em silêncio.

“Uma mulher zomba da virilidade do marido:”

Hoje, durante o combate, meu amante
deu as costas ao inimigo./ tenho vergonha de
tê-lo beijado ontem à noite.

“Ou verbaliza seu desejo frustrado:”

Vem, meu amado, vem pra perto de mim,
O “pavoroso” dorme, pode me beijar agora.

Poesia do “berço à cova”, uma “rebelião velada” feita por mulheres com dedos sujos de tinta sob suas burkas, mas poderiam portar o hijab, turbantes, sáris, rousari, o véu de renda na missa de domingo, ou uma fantasia de porta-bandeira.
Suicídio e Canção como formas únicas de expressar a angústia. 


Foto: Meninas: Emílio Morinatti 

                               Foto: Mulher ou Lixo? (Google imagens)

     
                                                               Emilio Morinatti - Caixa Forum - Barcelona-ES 





quarta-feira, 8 de junho de 2011

ROÇAS E CEREJAS (aos amigos loucos e santos)

                                São Luiz do Paraitinga-SP/BR- Enéas Macedo

                                      Mompeo-IT- Orietta Borgia

Mompeo-IT- Orietta Borgia

                                São Luiz do Paraitinga-SP/BR- Enéas Macedo


“Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
(...) Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero o meu avesso.(...) Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.(...) Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem,mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos
Quero-os metade infância e outra metade velhice.
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto: e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo, loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que “normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril."

Oscar Wilde

SONETO DO AMIGO


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.


É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.


Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.


O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
Vinicius de Moraes

terça-feira, 7 de junho de 2011

PARTILHA

Botón- Raquel Aparício


Eu nunca fui uma moça bem-comportada. Pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou por amor mal resolvido sem soluços. Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. Eu não estou aqui pra que vocês gostem de mim. Estou aqui pra aprender a gostar de cada detalhe que tenho. E pra seduzir somente o que me acrescenta. Eu adoro a poesia e gosto de descascá-la até a fratura exposta da palavra. A palavra é meu inferno e minha paz. Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que quase me deixa exausta. Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo. Eu sei chorar toda encolhida abraçando as pernas. Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar.... Eu acredito é em suspiros, mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem pra vida da gente. Acredito em coisas sinceramente compartilhadas. Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo. Eu acredito em profundidades. E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos. São eles que me dão a dimensão do que sou...

Raquel de Queirós